quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Fênix
sábado, 27 de março de 2010
Um Conquistador Nu



Em terras tupiniquins, após 1541, teve contato com dois pontos cosmopolitas. Primeiro, Cananeia, onde havia uma colônia que recebia embarcações de várias bandeiras. Depois, em Santa Catarina, pouso de uma colônia de náufragos e de índios. Essa colônia também atendia navios e nela co-existiam pacificamente índios, portugueses, degredados, náufragos, espanhóis, 'mas hoje não sabemos direito qual era tamanho dessa colônia', diz Markun. Neste lugar, Cabeza 'teve contato com um índio aculturado chamado Miguel do Brasil, que falava castelhano e guarani; ele foi uma ponte entre o espanhol e os índios'.
Cabeza batiza o território catarinense de Província de Vera, em homenagem ao avô. Foi governador de Santa Catarina pela Espanha, mas não sobrou nada de registro oficial, além de suas memórias. 'Há uma ilha em Floripa chamada Ratones, e dizem que foi o Cabeza de Vaca que nomeou. Ele descreve a baía de Ramos, o estreito da ilha com o continente, mas não há registro histórico disso'. Há uma discussão sobre se um barco naufragado no litoral catarinense seria da frota dele ou não. Um espanhol governando no Brasil? No século XVI, Santa Catarina era portuguesa para os portugueses, e espanhola para os espanhóis, dada a impossiblidade técnica, à época, de determinar o meridiano de Tordesilhas. O espanhol governou por oito meses e deixou em torno de cem homens por aqui.
O náufrago que ninguém comeu
Cabeza passou por naufrágios, privações, atuou como curandeiro, liderou legiões de índios. Em certo episódio, naufragou entre Estados Unidos e México. Terminou em um lugar, apelidado por eles, de Ilha do Mal Fado. Cabeza conta, nas Memórias, que ali um grupo de náufragos passou por uma fome tão grande que os levou a comer uns aos outros — sobrou só um, porque não havia ninguém para comê-lo. Cabeza e os seus companheiros 'viviam nus, pois foram perdendo as roupas, e passaram uma fome extrema, comiam cactos'. Após algum tempo de viagem, o conquistador entrou em contato com índios e curou um deles de alguma doença. 'Rezaram um Pai Nosso, um Ave Maria, fizeram o sinal da cruz e um índio ficou bom. A partir desse momento ele passou a ser seguido por uma legião de índios e ia de tribo em tribo para saqueá-las'. Dessa forma, ele e outros três sobreviventes caminharam 18 mil quilômetros pelo que hoje são os estados do Texas, Novo México e Arizona, como índios, nus. 'Quando escontrou novamente os espanhóis, ele estava numa situação tão incrível que ninguém o reconheceu, barbado e nu'.
O parecerista e o editor
'O parecerista destruiu, acabou com o livro e eu tive dificuldade de aguentar a paulada, mas depois de ler algumas vezes passei a dar razão a ele. A base da crítica do parecerista é que a história se perdia no meio do caminho. Ao tentar passar para o leitor a quantidade de fatos e personagens imensos, eu produzi um negócio que não era nem livro de aventura nem um tratado histórico. Então eu tive que desconstruir tudo aquilo que eu tinha feito para deixar o sumo no livro e perseguir a história do Cabeza de Vaca a partir da perspectiva dele sem tentar tomar partido. Ele não é herói nem vilão, é um personagem cheio de nuances'.
As reações ao livro agradam: 'Eu já tive reações diversas ao livro, como: ‘Ah, esse cara é um bandido’ e outro ‘Poxa, esse cara era bom mesmo’, então eu acho que eu consegui esse intento de fazer com que a história não seja minha, mas de quem lê. Eu agradeci ao parecerista no fim do livro. É sempre difícil você encarar a crítica ao teu trabalho, ainda mais quando ainda não foi publicado. O trabalho do escritor ganha quando há um bom editor. Isso funciona mais para não-ficção do que para ficção. Acho que essa contenda sobre a história é sempre um bom recurso, embora seja necessário humildade para receber'.
Internet, Recepção do livro, Crepúsculo e Dan Brown
A internet oferece espaço para a discussão e para perceber a recepção do livro: 'Uma crítica que eu achei sensacional foi: ‘eu gostei do livro Cabeza de Vaca, parece o filme Avatar’. Eu disse: ‘estamos bem na foto’. É disso que o nosso trabalho vive, da satisfação ou insatisfação do leitor, da possibilidade de crítica'. Todo autor gosta disso [do contato com seus leitores]. Escrever um livro é sempre um trabalho solitário e de insegurança, na medida em que você quer saber se a história convenceu ou se a tua literatura entusiasmou ou sensibilizou o leitor'.
Em qual setor da livraria poderíamos colocar Cabeza de Vaca? 'Na frente, ao lado de Crepúsculo e Dan Brown!', ri. 'É biografia, indiscutivelmente, mas ele é também a coisa de acompanhar a trajetória da personagem com o ritmo e ordem cronológica de filme. Não é à toa que eu estou fazendo agora um roteiro cinematográfico baseado no livro. É absolutamente fascinante a vida de Cabeza, e não dava pra contar isso com muito rigor em determinados trechos'.
quinta-feira, 25 de março de 2010
Otimista Incorrigível

'[Mindlin] é leitor onívoro, pronto para ler tudo, desprezando projetos sistemáticos de leitura, interessando-se pelos assuntos mais variados. E, ao mesmo tempo, sabe selecionar os livros, organizá-los, distinguir filões e ter preferências, que se vão tornando as dominantes do seu gosto. Indiscriminado e seletivo, glutão e refinado, ele é o tipo ideal de leitor, porque sabe que nenhuma leitura é perda de tempo se der prazer'(Prefácio ao livro Uma Vida entre Livros, p.11 — leia trechos online aqui)

'Os livros não caem do céu: a gente os procura e, coincidentemente e principalmente em matéria de livros raros, eles também nos procuram. A aventura da garimpagem provoca, mesmo em céticos como eu, a suspeita de que alguma coisa sobrenatural possa estar protegendo as buscas do leitor apaixonado. Chego a pensar que embora a leitura seja uma fonte inesgotável de prazer, a garimpagem provoca um prazer diferente, às vezes superior ao outro. Quando se encontra uma obra procurada durante décadas, o coração bate mais forte'.
Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro.Para a velhice vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro.O Rio de São Francisco — que de tão grande se comparece — parece é um pau grosso, em pé, enorme... Amável o senhor me ouviu, minhas idéias confirmou: que o diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano.Travessia.
quarta-feira, 24 de março de 2010
"Hoje, estou acima do bem e do mal"

'Chuvinha cinza-chata, dessas que sujam a manhã, mas ao abrir o jornal vejo sair dele um senhor raio de sol, que retifica a paisagem: nasceu uma menina. A menina é neta de Tônia Carrero. Tônia cada vez mais linda, mais artista, a ponto de obrigar a gente a não perder capítulo de novela de televisão, e a confessar que não perde'. (...)


domingo, 7 de março de 2010
Reggae, Soul e Caranguejada na Cidade do Prédio Torto




sábado, 6 de março de 2010
Passarinho que se preza bebe caipirinha



terça-feira, 2 de junho de 2009
Entre le Murs
Entre os muros da Escola e da Rotina

Dia desses, resolvi comprar o Entre os Muros da Escola, visão desse professor francês sobre tudo o que vê e sente na rotina de seu trabalho. Narrativa quase em formato de relatório, temperado com singela ironia nas entrelinhas, mas sem vangloriar ou diminuir o papel de ninguém, nem o seu próprio. A leitura fez ressoar as 18 horas do meu dia em que passo acordada antes de cair como pedra na cama. A vontade de não ir ao trabalho, a descrença no aluno, o preconceito de classe e origem, o racismo, a falta de estímulo geral, a falta de razão, a falta de contexto. A falta. O que não falta é a vontade mútua de sumir dali... de mudar, não sabendo bem pra onde.
Pra quê aprender francês? Perguntam lá, pra que aprender português? Perguntam aqui. Foi difícil ler sem pôr um quadro em cima do outro, como num filme em que somos protagonistas. Às vezes não sabia se me recordava do livro ou do meu trabalho na escola da esquina de casa.
Na França de Begaudau, o liceu da periferia é formado por imigrantes, filhos de imigrantes e por aqueles que, por não ter condições de sair dali, ficaram. O professor entra em sala de aula já com a tensão de propôr algo que, anyway, não fará sentido ao aluno, por mais que seja explicado que sim, faz. Faz, você entendeu?
O cabo de guerra está sempre esticado, e a luta está mais em mostrar quem tem a força ali, do que construir o conhecimento (jargão tão utilizado e tão banalizado, não é?). Nas redações pedidas por Begaudau, o aluno negro filho de imigrantes escreve que não é visto como um igual naquele lugar onde sua condição lhe é jogada na cara, crua como um tapa. O professor diz “deixem que eles fiquem nesse bairro sujo para sempre”. A corda está sempre esticada. Aqui, um aluno também negro, também filho de imigrantes, reclama de sua vida, por apanhar, por não ser compreendido. Quem lhe escuta? Eu? Você? A escola? Docentes riem na sala dos professores.
Às vezes, aqui e lá, eles são escutados. Depende do professor...
E esse então é igualzinho, oh Deus, aqui e lá. Chegam à famigerada sala docente desolados, nervosos. Um com o cabelo em pé, outro, olheiras no queixo, outro, o nó na garganta. Outro quieto, cansou de reclamar. Em São Paulo, professor não tem vez, dizem. Tira o Fulano do poder que se ajeita, dizem. Como parte da classe, sou propensa a concordar com as queixas, mas preciso pensar antes numa racional, cartesiana diria, reflexão sobre o assunto. Desisti, queria comer um pão e deitar. Que preguiça, meu Deus, que coisa, não quero voltar, não quero encarar. Receio, medo, raiva, angústia, riso, escárnio, vontade. Begaudau me entendeu. Quando o professor vai parar de queixar-se? E quando o poder público reconhecerá o trabalho árduo da classe? E quando o professor vai parar de dizer que não é psicólogo? E quando os problemas da vida batem na porta da sala? Sou eu ou o livro... Acho que já estou a misturar as coisas por aqui.
Idealista, dizem. Entro na sala pensando em como posso parar o funk do aluno da 6°B.
Begaudau narra a reunião dos professores no fim do semestre. Lá não tem progressão continuada, pensei. Duas alunas fazem parte do grupo, são as representantes de classe. Ah, só podia ser livro francês... Onde já se viu isso aqui? Elas, alunas, riem, tossem, quase vomitam de gargalhar, saem. Afinal, não é tão diferente. Tem aluno que acerta o sorvete na nuca, disse uma antiga colega. Preciso pensar por qual motivo, naquele momento pontual, veja bem, as adolescentes precisam entender o que aquela reunião significa, o que a nota e a aula de francês significam.
Responsabilidade se cria de cedo, e educação vem do berço, dizem. Mas e se não veio, o que fazer?
Paquidérmicos, os alunos ouvem o texto de um livro didático aqui. Ressonantes, conjugam o passado composto lá. A graça da aula se dá no momento da discussão ou da briga. A luz vêm ao olho, e com isso a fala nada burra de quem sabe muito, mas que nós, professores ainda não encontramos definitivamente a forma de fazer como saibam mais, como aprimorar nosso trabalho. Lá e aqui, surpreendemo-nos com a capacidade dos alunos, com sua perspicácia e inteligência. Ao mesmo tempo, queremos que eles aprendam ao nosso modo, tradicional, correto e tranquilo. Não são animais, ora, nem tudo é oba-oba na vida!
Falando em oba-oba, o que é a roupa daquela menina de 14 anos que mostra o umbigo e os seios apertados na blusa aqui? O que é a moça de 15 anos que usa roupas espalhafatosas e brincos de 10 centímetros lá? Por que implicamos? Por que ressaltamos isso? A escola é o lugar da privação de desejos, do corpo, da fala. Begaudau olhou para tudo isso e para todos argutamente, mas sua narrativa mostrou mais de si mesmo, assim como esse texto acabará mostrando mais de mim. A angústia, as felicidades e desgraças desse francês não foram milagrosamente acertadas no fim como em um filme de Morgan Freeman. Como eu, ele não tem respostas, não mostra e não pretende responder nada. Não se sabe se, um dia, pensará em dar cabo às situações que narrou, não é o que importa.
São 11:15h da noite, e fecho o livro de capa azul. Afinal, depois de dois dias não lembro se o que pensei são histórias minhas ou do François. São tantas as semelhanças, são tão poucas as diferenças. A França não é tão longe assim afinal, não para o professor. Ficou um sentimento engraçado de irmandade, de uma dúvida sempre suspensa no ar, à espera de uma resposta, à espera que o cansaço e o enfado não venham antes do trabalho. O jogo de futebol, que nós é caro, fecha a narrativa de forma tão íntima... A identificação foi de fato total.
